Angélica Freitas

Considerada o maior nome literário no ano de 2012 pela Folha de S. Paulo, a gaúcha-pelotense Angélica Freitas é uma das maiores revelações da literatura contemporânea brasileira. A poetisa publicou dois livros, o elogiado livro de estreia intitulado Rilke Shake (Cosac/7Letras, 2007) e o seu mais novo trabalho Um útero é do tamanho de um punho (Cosac, 2012). 

Angélica Freitas


A poética de Angélica, marcada pelo tom irreverente, de um humor ácido, carrega também uma dimensão trágica, de tristeza e deslocamento, o que faz da sua poesia a imagem da vida. Ou uma das possíveis. Além disso, o completo domínio da linguagem alia o popular com a irreverência às tradições, sem descambar para o irrelevante. 

Não obstante, a Angélica Freitas virá a Porto Alegre para participar de mais um evento da Coordenação. O evento será o tradicional + Que Prosa, que acontece no dia 16 de Maio, às 19:00h, e que também contará com a participação da escritora gaúcha Carol Bensimon. 
 
 No mais, a Angélica fala por si. Os poemas falam por si. Confirma abaixo um pouco do trabalho dela: 


o que passou pela cabeça do violinista em que a morte acentuou a palidez ao despenhar-se com sua cabeleira negra & seu stradivarius no grande desastre aéreo de ontem



mi
eu penso em béla bártok
eu penso em rita lee
eu penso no stradivarius
e nos vários empregos
que tive
pra chegar aqui
e agora a turbina falha
e agora a cabine se parte em duas
e agora as tralhas todas caem dos compartimentos
e eu despenco junto
lindo e pálido minha cabeleira negra
meu violino contra o peito
o sujeito ali da frente reza
eu só penso


mi
eu penso em stravinski
e nas barbas do klaus kinski
e no nariz do karabtchevsky
e num poema do joseph brodsky
que uma vez eu li
senhoras intactas, afrouxem os cintos
que o chão é lindo & já vem vindo
one
two
three

§
Eu durmo comigo

eu durmo comigo/ deitada de bruços eu durmo comigo/ virada pra direita eu durmo comigo/ eu durmo comigo abraçada comigo/ não há noite tão longa em que não durma comigo/ como um trovador agarrado ao alaúde eu durmo comigo/ eu durmo comigo debaixo da noite estrelada/ eu durmo comigo enquanto os outros fazem aniversário/ eu durmo comigo às vezes de óculos/ e mesmo no escuro sei que estou dormindo comigo/ e quem quiser dormir comigo vai ter que dormir ao lado.

§

a poesia não

a poesia não é uma coisa idiota
a poesia não é uma opção
a poesia não é só linguagem
a poesia, não
a poesia não é para ser entendida
a poesia não é uma ciência exacta
a poesia não é arma
a poesia não é mais de Orfeu
a poesia não é diferente
a poesia não é um casamento
a poesia não é um sentido
a poesia não é, nunca foi
a poesia não é escolha
a poesia não é nem quer ser mercadoria

“a poesia não é uma força de choque.
é uma força de ocupação.”
Mas a poesia não é a revelação do real?
a poesia não é a arte do objeto
a poesia não é mero artifício
a poesia não é de Castro Alves, como pensam muitas pessoas
a poesia não é mais representativa
a poesia não é uma ocupação permanente
a poesia não é um espelho
não, a poesia não é uma arte contemplativa
a poesia não é uma coisa idiota
a poesia não é algo que possa utilizar-se como trombeta
a poesia não é uma questão de sentimentos
a poesia não é feita (diretamente) de idéias
mas de palavras (estas, sim, portadoras daquelas)
as pessoas nem sempre percebem que a poesia não
é mero entretenimento, brincadeirinha literária inconseqüente

já a poesia não.







 

 


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