Chute na estante: Álvaro Moreyra


Como Capitu, personagem marcante do clássico Dom Casmurro, de Machado de Assis, que perdurou em nome, tendo sido homenageada em batismos, também sobreviveu em outras encar(de)nações o famoso título Dom Casmurro: e a prova está na revista literária de mesmo nome, criada nos anos 40 por Álvaro Moreyra. Por coincidência (e não por qualquer outra razão, leitor), nesta sexta-feira, o livro que pulou das estantes da Biblioteca Pública Municipal Josué Guimarães foi Adão, Eva e outros membros da família, peça teatral de Álvaro Moreyra. 

Na sala Álvaro Moreyra, aqui no Centro Municipal de Cultura Lupicínio Rodrigues, as mais variadas peças são encenadas. O poeta, cronista e jornalista porto-alegrense que dá nome ao espaço também trabalhou em vida para renovar o teatro brasileiro (como o leitor atento já sabe), deixando um enorme legado não só para a literatura do País, mas também para as artes cênicas. Criou, em conjunto com sua mulher, Eugênia Moreyra, o Teatro de Brinquedo, grupo teatral cuja proposta era inovar o teatro nacional. Como disse o próprio Álvaro: "Eu sempre cismei um teatro que fizesse sorrir, mas que fizesse pensar. Um teatro com reticências..."

E o livro de hoje, único livro dramático do autor, é exemplar do teatro que Álvaro queria desenvolver. São diálogos curtos, rápidos, pingue-pongue. Os 14 personagens da peça - uma comédia - retratam de maneira cômica a sociedade da época (o texto foi publicado em 1929, e foi a primeira produção do Teatro de Brinquedo). Mas, para que uma interpretação não polua o sentido original do texto de Álvaro, deixamos o leitor com um trecho da peça (que demostra  como os movimentos culturais se fazem presentes nas falas dos personagens). Aproveite:

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JOVEM POETA entra, dirige-se ao Secretário:

Boa tarde. Eu queria falar ao Secretário.

SECRETÁRIO

Sou eu mesmo.

JOVEM POETA, tímido:

Trago aqui um verso para o senhor ver se pode publicar. (Puxa do bolso uma folha grande de papel, entrega-a.)

SECRETÁRIO

É tudo isso o verso?

JOVEM POETA

É.

SECRETÁRIO lê, e depois:

Desculpe, sim? A metrificação está errada e há quatro pronomes fora do lugar. E não se percebe o sentido...

JOVEM POETA, interrompendo-o:

Eu sei, eu sei. É por falta de prática. Quando eu tiver prática, não hei de errar. Sou um principiante. O senhor corrija, que eu não me importo.

SECRETÁRIO

Nós só publicamos versos no Carnaval. Leve a um semanário.

JOVEM POETA, agora seco:

Obrigado. (Apanha a folha.) Boa tarde. (Sai.)

SECRETÁRIO

Boa tarde. Daqui a uns anos, estará célebre. O que lhe falta ele já descobriu, é a prática...

QUE ACUMULA

Já não há metrificação errada. É futurismo.

TEATRAL

E pronome fora de lugar é nacionalismo...

SECRETÁRIO

Não se entendia...

TEATRAL

Supra-realismo... 

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Chute a estante você também:

Adão, Eva e outros membros da família
Alvaro Moreyra 
Instituto Estadual do Livro (IEL), 1989.
* Disponível na Biblioteca Pública Municipal Josué Guimarães

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