O compositor do hino

No dia 6 de setembro de 1922, o então presidente do Brasil Epitácio Pessoa oficializou em decreto um dos mais conhecidos símbolos pátrios: a letra do hino nacional. Os versos foram compostos pelo poeta Joaquim Osório Duque-Estrada (1870-1927), um nome não muito lembrado hoje. Algo que, por sinal, faz todo sentido, visto que o escritor publicou pouquíssimo em vida.

Oriundo de uma família predominantemente militar (era sobrinho do general Osório, o marquês do Herval), Duque-Estrada nasceu no município de Vassouras, Rio de Janeiro, e estudou as primeiras letras num dos colégios mais prestigiados da época, o Pedro II. Já havia publicado seu primeiro livro, Alvéolos (1886), dois anos antes de se formar em Letras. Na mesma época, auxiliou José do Patrocínio na campanha da abolição e colaborou com a imprensa carioca. Em 1890, foi para São Paulo a fim de se matricular na Faculdade de Direito, curso que abandonou um ano depois. Trabalhou durante muito tempo como funcionário público e diplomata. Editou um jornal em Minas Gerais, de 1893 a 96. Em 1905, abandonou de vez a carreira no magistério e voltou a colaborar com quase todos os diários do Rio. No Correio da Manhã, criou uma seção de crítica literária, onde se tornou um dos mais polêmicos críticos de seu tempo. Crítica e polêmica é justamente o título da coleção de trabalhos desse período, publicado em 1924.

Duque-Estrada foi o segundo segundo ocupante da Cadeira 17 da Academia Brasileira de Letras, eleito em 25 de novembro de 1915. Sobre ele, o site da Academia constata: "Como poeta, não fez nome literário, a não ser pela autoria da letra do Hino Nacional. Além do livro de estréia, publicado aos 17 anos, Flora de maio, com prefácio de Alberto de Oliveira, reunindo poesias escritas até os 32 anos de idade. Revela sensível progresso na forma e na idéia. Conserva a feição dos poetas românticos, apesar de publicado em plena florescência do Parnasianismo, de que recebeu evidentes influxos, conservando, contudo, a essência romântica."

Selecionamos abaixo alguns textos de Duque-Estrada. Outros podem ser conferidos na página que a ABL dedica a sua pessoa:

O PRIMEIRO REGISTRO

Detesto e detestei sempre esta espécie - o gramático, não como postiça e hipoteticamente o detestam certos parvoalhos da literatura, comodamente escudados nesse falso desdém, para melhor se forrarem à responsabilidade dos atentados que cometem contra a sintaxe e o bom senso; detesto franca e sinceramente o gramático quando ele possui apenas um espírito de corredor, uma visão ferida de miopia crônica e circunscrita à estreiteza das regras invariáveis e às nequices ridículas de uma filologia barata de belchior: falta-lhe o senso largo do conhecimento da linguagem comparada, dos processos de formação do vernáculo, das idiossincrasias deste, dos seus recursos, das suas preciosidades e dos seus enxovalhos.
CONTRASTE

Isa, não creias na felicidade:
Eu procurei-a, como um cego, e tanto
Que não sei por que choro esta saudade
Nem a razão por que estas mágoas canto.

Dá-me apenas um pouco de piedade:
- Soturno Hamleto de pesado manto,
Enchi de goivos toda a mocidade,
Todas as rosas orvalhei de pranto...

Entre os delírios vãos da fantasia,
Nunca sonhei com céu tão vasto e largo
Como o do beijo que me deste um dia;

Sinto, no entanto, o esquálido letargo
Que faz achar, em meio da alegria,
Amarga a vida, o sofrimento amargo...

MINHA MUSA

Presa ao êxtase suave
De uma tristeza sem par,
Minha Musa é como uma ave
Que anseia apenas voar...

Chega às paragens secretas
Do desespero e da dor
E aonde vão as inquietas
Asas do beijo e do amor...

Faz um batel pequenino
De pandas, purpúreas, velas,
E, num clarão matutino,
Ascende ao céu e às estrelas!

Com elas fala e conversa
Da alcova dos arrebóis
E desce tranqüila, imersa
Na luz de todos os sóis.

Vive, filha, neste mundo,
Mas vai ao céu onde moras,
E mergulha no profundo
Mar Vermelho das auroras...

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