Dica de leitura para o feriado


Há exatos 189 anos, Dom Pedro se pôs às margens do Rio Ipiranga e bradou o grito que marcaria o início de um novo capítulo na história do nosso país: "Independência ou morte!". 

Lindo, não?

Agora, vejamos assim:
Há exatos 189 anos, Dom Pedro (em consequência da fuga da Família Real Portuguesa ao Brasil e de divergências entre os próprios portugueses, com raras vozes entre os brasileiros que apoiavam a separação completa entre os dois países) se pôs às margens do Rio Ipiranga (um riacho localizado na região sudeste de um Brasil onde dois de cada três brasileiros eram escravos, negros forros, mulatos, índios ou mestiços; onde 99% da população era analfabeta.; onde os ricos eram poucos e, com raras exceções, ignorantes; onde o isolamento e as rivalidades entre as diversas províncias prenunciavam uma guerra civil, que poderia resultar na fragmentação territorial) e bradou o grito que marcaria o início de um novo capítulo na história do nosso país (que tinha tudo para ser apenas um breve capítulo de fracassos): "Independência ou morte!". 


Contar a verdadeira história do Brasil, diferente dos livros didáticos e filmes de Hollywood, é a proposta do jornalista e escritor Laurentino Gomes nas obras 1808 e 1822. O autor afirmou, em entrevista ao portal iG, que “as pessoas não estão lendo história do Brasil apenas em busca de personagens pitorescos. Não, elas estão em busca de explicações para o Brasil de hoje”, e a isso atribui o sucesso de vendas dos seus livros, sendo 1808 um best-seller com mais de 600.000 cópias vendidas e vencedor do Prêmio Jabuti nas categorias Melhor Livro Reportagem e Livro do Ano de Não-Ficção.

Laurentino trabalhou como repórter e editor para o jornal O Estado de S. Paulo e a revista Veja e foi diretor da Editora Abril. É membro titular da Academia Paranaense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Seus livros 1808 e 1822 são a nossa dica de leitura para marcar o 7 de Setembro, dia da Independência do Brasil.

1808: Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil
Laurentino Gomes
Editora Planeta
408 páginas
R$ 39,90

Trecho:

"A fuga 

Imagine que, num dia qualquer, os brasileiros acordassem com a notícia de que o presidente da República havia fugido para a Austrália, sob a proteção de aviões da Força Aérea dos Estados Unidos. Com ele, teriam partido, sem aviso prévio, todos os ministros, os integrantes dos tribunais superiores de Justiça, os deputados e senadores e alguns dos maiores líderes empresariais. E mais: a esta altura, tropas da Argentina já estariam marchando sobre Uberlândia, no Triângulo Mineiro, a caminho de Brasília. Abandonado pelo governo e todos os seus dirigentes, o Brasil estaria à mercê dos invasores, dispostos a saquear toda e qualquer propriedade que encontrassem pela frente e assumir o controle do país por tempo indeterminado.


Provavelmente, a primeira sensação dos brasileiros diante de uma notícia tão inesperada seria de desamparo e traição. Depois, de medo e revolta.


E foi assim que os portugueses reagiram na manhã de 29 de novembro de 1807, quando circulou a informação de que a rainha, o príncipe regente e toda a corte estavam fugindo para o Brasil sob a proteção da Marinha britânica. Nunca algo semelhante tinha acontecido na história de qualquer outro país europeu. Em tempos de guerra, reis e rainhas haviam sido destronados ou obrigados a se refugiar em territórios alheios, mas nenhum deles tinha ido tão longe a ponto de cruzar um oceano para viver e reinar do outro lado do mundo. Embora os europeus dominassem colônias imensas em diversos continentes, até aquele momento nenhum rei havia colocado os pés em seus territórios ultramarinos para uma simples visita — muito menos para ali morar e governar. Era, portanto, um acontecimento sem precedentes tanto para os portugueses, que se achavam na condição de órfãos de sua monarquia da noite para o dia, como para os brasileiros, habituados até então a ser tratados como uma simples colônia extrativista de Portugal.


No caso dos portugueses, além da surpresa da notícia, havia um fator que agravava a sensação de abandono. Duzentos anos atrás, a noção de Estado, governo e identidade nacional era bem diferente da que se tem hoje. Ainda não existia em Portugal a idéia de que todo poder emana do povo e em seu nome é exercido — o princípio fundamental da democracia. No Brasil de hoje, se, por uma circunstância inesperada, todos os governantes fugissem do país, o povo ainda teria a prerrogativa de se reunir e eleger um novo presidente, deputados e senadores, de modo a recompor imediatamente o Estado e seu governo. As próprias empresas, depois de um período de incerteza pela ausência de seus donos ou dirigentes, poderiam se reorganizar e continuar funcionando. Em Portugal de 1807 não era assim. Sem o rei, o país ficava à míngua e sem rumo. Dele dependiam toda a atividade econômica, a sobrevivência das pessoas, o governo, a independência nacional e a própria razão de ser do Estado português.


Para complicar ainda mais a situação, Portugal era um dos países mais atrasados da Europa no que diz respeito às idéias e reformas políticas. Ao contrário da Inglaterra e da Holanda, em que a realeza ia gradativamente perdendo espaço para os grupos representados no Parlamento, em Portugal ainda vigorava o regime de monarquia absoluta. Ou seja, o rei tinha o poder total.1 Cabia a ele não só criar as leis, mas também executá-las e interpretá-las da forma que julgasse mais adequada. Os juízes e as câmaras municipais existentes funcionavam como meros braços auxiliares do monarca, que podia desautorizar suas opiniões e decisões a qualquer momento.

Essa noção ajuda a explicar a sensação de desamparo e perda irreparável que os portugueses sentiram nas ruas de Lisboa naquela manhã fria do final do outono. Com a fuga do rei, Portugal deixava de ser Portugal, um país independente, com governo próprio. Passava a ser um território vazio e sem identidade. Seus habitantes ficavam entregues aos interesses e à cobiça de qualquer aventureiro que tivesse força para invadir suas cidades e assumir o trono."


1822: Como Um Homem Sábio, Uma Princesa Triste e Um Escocês Louco por Dinheiro Ajudaram D. Pedro a Criar o Brasil, Um País Que Tinha Tudo para dar Errado
Laurentino Gomes
Nova Fronteira
372 páginas
R$ 39,90

Trecho:

"Capítulo 1 - O Grito

O destino cruzou o caminho de D. Pedro em situação de desconforto e nenhuma elegância. Ao se aproximar do riacho do Ipiranga, às 16h30 de Sete de setembro de 1822, o príncipe regente, futuro imperador do Brasil e rei de Portugal, estava com dor de barriga. A causa dos distúrbios intestinais é desconhecida. Acredita-se que tenha sido algum alimento mal conservado ingerido no dia anterior em Santos, no litoral paulista, ou a água contaminada das bicas e chafarizes que abasteciam as tropas de mula na Serra do Mar. Testemunha dos acontecimentos, o coronel Manuel Marcondes de Oliveira Melo, subcomandante da guarda de honra e futuro Barão de Pindamonhangaba, usou em suas memórias um eufemismo para descrever a situação do príncipe. Segundo ele, a intervalos regulares D. Pedro se via obrigado a apear do animal que o transportava para “prover-se” no denso matagal que cobria as margens da estrada.

A montaria usada por D. Pedro nem de longe lembrava o fogoso alazão que, meio século mais tarde, o pintor Pedro Américo colocaria no quadro “Independência ou Morte”, também chamado de “O Gritodo Ipiranga”, a mais conhecida cena do acontecimento. O coronel Marcondes se refere ao animal como uma “baia gateada”. Outra testemunha, o padre mineiro Belchior Pinheiro de Oliveira, cita uma “bela besta baia” 2. Em outras palavras, uma mula sem nenhum charme, porém forte e confiável. Era esta a forma correta e segura de subir a Serra do Mar naquela época de caminhos íngremes, enlameados e esburacados.

Foi, portanto, como um simples tropeiro, coberto pela lama e a poeira do caminho, às voltas com as dificuldades naturais do corpo e de seu tempo, que D. Pedro proclamou a Independência do Brasil. A cena real é bucólica e prosaica, mais brasileira e menos épica do que a retratada no quadro de Pedro Américo. E, ainda assim, importantíssima. Ela marca o início da história do Brasil como nação independente.

O dia 7 de setembro amanheceu claro e luminoso nos arredores de São Paulo3. O litoral paulista, porém, estava frio, úmido e tomado pelo nevoeiro. Faltava ainda uma hora para o nascer do sol quando D. Pedro saiu de Santos, cidadezinha de 4781 habitantes, onde passara o dia anterior inspecionando as seis fortalezas que guarneciam as entradas pelo mar e visitando a família do ministro José Bonifácio de Andrada e Silva. Sua comitiva era relativamente modesta para a importância da jornada que iria empreender. Além da guarda de honra, organizada nos dias anteriores de forma improvisada nas cidades do Vale do Paraíba, enquanto viajava do Rio de Janeiro para São Paulo, acompanhavam D. Pedro o coronel Marcondes, o padre Belchior, o secretário itinerante Luís Saldanha da Gama, futuro Marquês de Taubaté, o ajudante Francisco Gomes da Silva e os criados particulares João Carlota e João Carvalho.

Eram todos muito jovens, a começar pelo próprio D. Pedro, que completaria 24 anos um mês depois, no dia 12 de outubro. Padre Belchior, com a mesma idade, nascido em Diamantina, era vigário da cidade mineira de Pitangui, maçom e sobrinho de José Bonifácio. Virou testemunha do Grito do Ipiranga por acaso. Eleito deputado por Minas Gerais para as cortes constituintes portuguesas, convocadas no ano anterior, deveria estar em Lisboa participando dos debates. A delegação mineira, porém, foi a única a permanecer no Brasil em virtude das divergências internas e da incerteza a respeito do que se passava em Portugal. Saldanha da Gama, de 21 anos, era, além de secretário itinerante, camareiro e estribeiro-mor do príncipe. Tinha o privilégio de ajudá-lo a se vestir e a montar a cavalo. Com 29 anos, Francisco Gomes da Silva, também chamado de “O Chalaça” – palavra que significa zombeteiro, gozador ou piadista – acumulava as funções de “amigo, secretário, recadista e alcoviteiro” de D. Pedro, segundo o historiador Octávio Tarquínio de Sousa4. Ou seja, era um faz-tudo, encarregado de arranjar mulheres para o príncipe, proteger seus negócios e segredos pessoais e defendê-lo em qualquer circunstância, por mais difícil e escusa que fosse. Marcondes, o mais velho de todos, tinha 42 anos.

Nas primeiras duas horas, ainda sob a luz difusa do amanhecer, a comitiva percorreu de barco os canais e rios de água escura dos manguezais entre Santos e o porto fluvial de Cubatão, vilarejo com menos de duzentos habitantes ao pé da Serra do Mar. Nesse local, D. Pedro encontrou os animais selados e o restante da guarda que o acompanharia até São Paulo. A subida da serra, porém, teve de ser retardada. Prostrado pelos problemas intestinais, o príncipe refugiou-se na modesta estalagem situada à beira do porto. Maria do Couto, responsável pelo estabelecimento, preparou-lhe um chá de folhas de goiabeira, remédio ancestral usado no Brasil contra diarreia."



















Comentários

  1. Toda essa informação é mesmo verdadeira, confirma se esses números são reais

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