A Legalidade revisitada

O historiador Gunter Axt será um dos palestrantes do curso 50 Anos da Legalidade, parte da programação do 6º Festival de Inverno. Ao lado de Paulo Markun, Duda Hamilton, Juremir Machado e Ricardo Chaves, Axt irá discutir o movimento político encabeçado por Leonel Brizola no dia 27 de julho, às 20h, na Sala Álvaro Moreyra. As inscrições ainda estão abertas.

Nesta entrevista exclusiva para o blog do CLL, Axt comentou a importância da Campanha Legalista no cenário político da época, a figura de Brizola dentro do movimento e a validade do estudo historiográfico dentro desse contexto.

CLL - Qual a importância de revisitar esse ponto da história brasileira? Que relação pode-se fazer entre aquele momento e o presente?
Gunter Axt - Havia uma enorme confiança das pessoas na capacidade de mobilização popular. Foi também um dos raros momentos de convergência na sociedade sul-rio-grandense. São esses, me parecem, dois aspectos que se projetam como faróis sobre a nossa contemporaneidade.

CLL - A Legalidade só poderia ter surgido no Rio Grande do Sul? O Estado influenciou de que maneira a campanha?

Gunter Axt - Talvez. Mas estaríamos entrando no terreno da suposição. Quanto ao Estado, não se trata de um sujeito essencial, mas de uma região geográfica que abriga uma sociedade onde interagem múltiplas forças. Naquele momento, havia no RS condições prévias que permitiram uma composição de forças capaz de oportunizar o brotar e o desdobramento da Legalidade. Houve sintonia entre o Comandante do III Exército, o Governador Leonel Brizola, os Deputados no Legislativo e até a Igreja. A cultura de mobilização dos gaúchos para suas revoluções ainda permanecia viva. As pessoas acreditavam no poder da mobilização popular. E o rádio foi uma ferramenta crucial para o sucesso do movimento.

CLL - Da mesma forma, quanto disso pode ser creditado à figura de Leonel Brizola? Há algum personagem injustamente esquecido ou subestimado?
Gunter Axt - Muito do sucesso do movimento deve-se sem dúvida ao arrojo e ao carisma de Leonel Brizola. Não resta dúvida de que ele foi figura central. Mas não esqueçamos que pouco tempo depois ele já não usufruía do mesmo prestígio no RS, bastando para isso lembrar que não conseguiu eleger o seu sucessor no Governo do Estado. A figura de Brizola acabou sendo incensada por seus partidários, às vezes quase como uma construção mítica, o que oportunizou uma superexposição de seu papel no episódio. Entretanto, apesar de sua inegável importância, Brizola dificilmente teria desencadeado aquela ação sem o manifesto do Marechal reformado Henrique Lott, no Rio de Janeiro. Foi Lott também quem o aproximou de Amauri Kruel, no Rio de Janeiro, e de outros oficiais no Rio Grande do Sul. A adesão do General Machado Lopes ao Movimento, contrariando ordens expressas do Ministro da Guerra para atacar o Palácio Piratini, foi fundamental para o seu sucesso. Finalmente, há  as 100 mil pessoas reunidas na Praça Matriz, cantando o hino nacional, no momento em que o General Lopes chega para se entrevistar com Brizola. A grande riqueza da Legalidade está nos milhares de personagens anônimos que a fizeram.

CLL - A Legalidade teve um papel de definição na política brasileira posterior? Muitas figuras ganharam destaque na época, como Tancredo Neves o próprio Brizola...
Gunter Axt - Sem dúvida. Foi graças à Legalidade que João Goulart tomou posse como Presidente da República. Também foi a Legalidade que deu ao Brizola o excesso de confiança que o empurraria ao desastre em 1964.

CLL - Como a historiografia brasileira vem tratando a Legalidade? É um movimento superestimado ou subestimado pelos historiadores brasileiros -- e gaúchos, em particular?
Gunter Axt - É natural que o assunto desperte mais atenção no Rio Grande do Sul. Há excelentes trabalhos, elaborados por gaúchos ou não, dentre outros, como os do Joaquim Felizardo, do Flávio Tavares, do Amir Labaki, do Jorge Ferreira, do Paulo Markun e Duda Hamilton, sem mencionar o clássico de Moniz Bandeira, de 1970. De qualquer forma, considerando que o evento tenha mobilizado tanta gente e tenha acontecido há apenas 50 anos, às vezes me surpreendo que não existam mais depoimentos, de pessoas anônimas, inclusive. É um pouco surpreendente que, por exemplo, pós-graduandos em História tenham aplicado pouco as técnicas da História Oral para estudar o comportamento das massas naquele período, ou ainda que, dado a importância do evento para a história brasileira, não se tenha erguido um memorial, não se tenha um monumento público, um banco de história oral ou um banco de imagens sobre o episódio. Talvez existam por aí muitas fontes a serem melhor exploradas e sistematizadas. Imagine a quantidade de material imagético que poderia ser reunida? Quanta gente deve ter fotos em casa? Penso que a imprensa da época poderia também ser melhor explorada. O Markun e a Duda Hamilton avançam bem nesse sentido, cobrindo uma perspectiva nacional, mas ainda há o que fazer. Os relatos diplomáticos podem também conter pérolas a espera de serem colhidas. A Legalidade no interior do Estado pode render também excelentes narrativas. Vale o mesmo para os acontecimentos em outras regiões do País: houve censura à imprensa, manifestações de rua, governadores ficaram sitiados no palácio. Os meandros do comportamento dos militares naquela oportunidade também podem merecer o olhar atento de uma lupa.

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