O homem que encontrou seus leitores

A perda recente de Moacyr Scliar mobilizou a Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre a homenagear com pesar um dos maiores autores gaúchos, colocando o debate sobre sua obra no centro das atividades. Scliar foi um brilhante escritor que conquistou milhares de leitores e admiradores ao redor do mundo, importantes prêmios literários e também a cadeira 31 da Academia Brasileira de Letras. Para a capital gaúcha, Scliar é um símbolo, um personagem da história do Rio Grande que soube descrever com peculiar sensibilidade os pensamentos, conflitos e emoções de um povo que se orgulhava em proclamar como sendo o seu: “Em todas as esquinas do mundo encontrei as esquinas de Porto Alegre”.

O Seminário Moacyr Scliar, destaque da 52ª Semana de Porto Alegre, iniciou no dia 21 de março e contou em sua abertura com a presença do prefeito José Fortunati e do secretário municipal da cultura, Sergius Gonzaga. No primeiro dia, o público ouviu o doutor em Letras Flávio Loureiro Chaves apresentar o texto Scliar e a Diáspora de Todos Nós, composto para o 9º Ciclo de Conferências da Academia Brasileira de Letras de 2007. Esta conferência, até então inédita no Rio Grande do Sul, analisa aspectos de Scliar como romancista além de resgatar momentos da convivência do escritor com Flávio em New York. Flávio contou o episódio em que ele e Scliar saíram em Manhattan em busca de um restaurante onde Woody Allen apresentava-se tocando trompete. Quando enfim encontraram o lugar, descobriram que o cineasta apresentava-se apenas quando lhe convinha e não havia garantia que estaria lá naquela noite. Após serem mal-tratados pelo garçom do estabelecimento, os dois retiraram-se acompanhados de suas esposas e buscaram outro lugar.


A segunda noite do evento contou com a presença dos professores Maria da Glória Bordini e Sergius Gonzaga, além da atriz Mirna Spritzer. O público pode degustar um pouco mais os contos, de nada fácil digestão, do autor. Sempre retomando a força narrativa, a temática judaica e o humor presente nas obras de Scliar, Maria da Glória defende que Moacyr foi o maior contista de sua geração, pois era capaz de escrever sobre os mais variados assuntos e circular entre diversos gêneros. Intercalando leituras de alguns contos com a fala dos palestrantes, Mirna Spritzer, considerada por Sergius como a melhor leitora de textos literários do Rio Grande do Sul, confessou estar muito emocionada, visto que era primeira vez que lia textos do Scliar sem ele ao seu lado. De todos os contos lidos pela atriz, o que mais impressionou o público foi Na minha suja cabeça, o holocausto. Esse conto, lembrou Sergius Gonzaga, foi a resposta de Scliar à pergunta: Se tivesses que escolher um conto teu, e só um, qual tu escolherias como o que melhor resumisse a tua obra?
“À noite sonho com ele. Estou nu, dentro de uma espécie de banheira com água fétida; Mischa me esfrega com aquele sabão, me esfrega impiedosamente, gritando que precisa tirar a sujeita da minha língua, da minha cabeça, que precisa tirar a sujeira do mundo”.

No dia 23, último dia do Seminário, data em que Scliar completaria 74 anos, Luis Augusto Fischer comentou o legado literário do autor e Abrão Slavutzky apresentou a presença de Freud e o judaísmo na obra. Enquanto Fischer destacou a volumosa produção de crônicas, Slavutsky focou a face ensaística do escritor. Ambos os palestrantes frisaram, além da qualidade narrativa indiscutível de Scliar, a versatilidade de temas e de gêneros de sua obra. Nos três dias de Seminário, ficou evidente a comoção tanto dos palestrantes quanto do publico, que contou sempre com a presença de familiares e amigos próximos do escritor. Seu legado literário, tema primeiro das conferências, dividiu o palco com lembranças de sua personalidade simples, gentil e carismática.

Themis Lopes, psiquiatra de 68 anos, participou do Seminário e ficou muito satisfeita com os esclarecimentos prestados pelos especialistas na obra de Scliar. A médica conta que conhecia o autor há 40 anos, com quem mantinha correspondência, enviando-lhe textos que o escritor lia e comentava. Scliar, segundo ela era uma pessoa de extrema humildade.


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