Manoel de Barros: 96 anos de poesia


Hoje, 19 de Dezembro de 2012, se comemora o aniversário de um dos maiores poetas brasileiros do século XX. Nascido em 1916, Manoel Wenceslau Leite de Barros, mais conhecido como Manoel de Barros, completa quase um século de vida: 96 anos. E, é claro, a CLL não poderia deixar passar batido sem uma singela homenagem. Compartimos alguns de seus mais célebres poemas:


                                                          Canção do ver – 1
Por viver muitos anos dentro do mato
moda ave
O menino pegou um olhar de pássaro -
Contraiu visão fontana.
Por forma que ele enxergava as coisas
por igual
como os pássaros enxergam.
As coisas todas inominadas.
Água não era ainda a palavra água.
Pedra não era ainda a palavra pedra.
E tal.
As palavras eram livres de gramáticas e
podiam ficar em qualquer posição.
Por forma que o menino podia inaugurar.
Podia dar às pedras costumes de flor.
Podia dar ao canto formato de sol.
E, se quisesse caber em uma abelha, era
só abrir a palavra abelha e entrar dentro dela.
Como se fosse infância da língua.
                                            
                                         Manoel de Barros, em Poemas Rupestres (2004)


Pêssego

Proust
Só de ouvir a voz de Albertine entrava em
orgasmo. Se diz que:
O olhar de voyeur tem condições de phalo
(possui o que vê).
Mas é pelo tato
Que a fonte do amor se abre.
Apalpar desabrocha o talo.
O tato é mais que o ver
É mais que o ouvir
É mais que o cheirar
                            É pelo beijo que o amor se edifica.
                                                   É no calor da boca
                                      Que o alarme da carne grita.
                                                 E se abre docemente
                                       Como um pêssego de Deus.
                               
                              Poemas Rupestres
(2004)

Armário

O avô despencou do alto da escada aos
trambolhos.
Como um armário.
O armário quebrou três pernas.
O avô não teve nada.
Ué! Armário não é só um termo de comparação?
Aqui em casa comparação também quebra perna.
O avô dementava as palavras.
Poemas Rupestres (2004)

IV.
Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas
leituras não era a beleza das frases, mas a doença
delas.
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor,
esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
- Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável,
o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença,
pode muito que você carregue para o resto da vida
um certo gosto por nadas…
E se riu.
Você não é de bugre? – ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em
estradas -
Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas
e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de
gramática.


Gostou? Não conhecia? Aproveita como dica pra ler algo no verão. Temos alguns livros do poeta disponíveis aqui, na Biblioteca Josué Guimarãens, só te esperando! Eles são:




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