CLL Entrevista | Ariel Schettini

Ariel Schettini | Foto: Divulgação

Ariel Schettini é poeta, ensaísta, licenciado em Letras e professor da Universidad de Buenos Aires (UBA). Além disso, é membro honorário da Universidad de Iowa e autor dos livros de poesia:  Estados Unidos y La Guerra Civil, e El genio de la lengua . Ontem ele esteve aqui, pois foi homenageado no VII Prêmio Joaquim Felizardo, onde recebeu o título de Embaixador Cultural.
Um pouco antes disso, a CLL bateu um papo com o poeta. Versamos sobre os mais diversos assuntos, fomos de Pablo Neruda até a literatura contemporânea latino-americana. Dá uma olhada no que ele contou pra gente.

CLL - O que representa a literatura do poeta Pablo Neruda para a literatura em geral e para a literatura latino-americana?

Ariel Schettini – Sem dúvida Neruda é o poeta latino-americano mais famoso no mundo. Quiçá o único. Ele carrega um valor de exotismo, da mesma maneira que tudo aquilo que é produzido na América Latina carrega -  digo isso quando é visto de fora, claro. Neruda é visto como algo exótico, banal. No mundo em geral é lido como um objeto turístico. Aliás, se me permitem o parêntese, toda a literatura latino-americana é turística, para quem não é daqui. O europeu acha muito difícil pensar em uma literatura que esteja à altura da sua. Eles reservam para si a autoria do pensamento, da reflexão, da crítica. No restante das literaturas eles buscam o exótico, não querem o conflitivo, esse é o papel deles. De todo modo, é um pouco preconceituoso o que estou dizendo. Existem mil maneiras de ler Neruda, e mil leitores diferentes, que podem lê-lo de uma maneira ou de outra.

A crítica que eu li sobre Neruda não é muito interessante, tirando a que é feita aqui na América Latina. Em geral isso me acontece com todas as críticas que li sobre escritores latino-americanos. Eu ensino literatura latino-americana em inglês na Universidade de Nova Iorque... Se vocês imaginassem o que a gurizada lê sobre o que é a América Latina, o que é a literatura latino-americana... É uma vergonha. Uma estupidez. Eles leem a literatura latino-americana como algo secundário. A própria literatura latino-americana se lê a si mesma como algo secundário. Enfim, Pablo é sim um poeta representativo, tanto nacional como universalmente.

CLL – Tu acredita que é possível dividir a poesia do Neruda em romântica-amorosa e social-política? É possível fazer essa divisão?
A.S. - Bom, tu pode dividir qualquer coisa como tu quiser e onde quiser. Hoje em dia a gente não sabe mais o que é literatura e como ela articula seu papel dentro da sociedade. Ao menos comparado com outras formas artísticas, inclusive verbais, de comunicação. O  principal tópico de Neruda é o erotismo, muito mais que o romantismo. A mulher é um objeto puramente sexual. Ela não é mais sublimada, santificada, não é mais um objeto do amor idílico, é um objeto para transar. Ele tem, claro, a poesia amorosa, mas o que ele instaura de novo na literatura latino-americana é a poesia erótica, é o sexual.

A poesia erótica só aparecerá dentro da nossa literatura nos Místicos Espanhóis como San Juan de La Cruz, etc. Em Neruda aparece de uma maneira flagrante, pois explora a figura da mulher como "carne", uma coisa viva, feita para transar, uma coisa maravilhosa que o mundo construiu e que está ligada à natureza. Se hoje fizermos uma releitura de Neruda, ele pode até soar machista. No momento em que foi lançado, não era visto dessa forma, havia uma outra leitura. 

Neruda deve ser pensado como um grande marco na poesia latino-americana daquilo que é erótico, puramente erótico, que não tem nenhum tipo de sublimação.  Do outro lado sim, temos o compromisso social, o lado político do poeta. Pablo soube se vender muito bem, como poucos artistas souberam fazer. Eu diria que ele soube se vender tão bem quanto Picasso soube. E inclusive tratando dos mesmos temas: comunismo, o erotismo, a questão social.

CLL -  Neruda é um poeta chileno ou latino-americano? Regional ou representante do Continente?

A.S. - Bom, ele é tudo. Não há um modo certo de lê-lo. Junto com o século XX, acabou o comprometimento de ler assim ou assado, de ter esta ou aquela interpretação. Terminou também o sonho da literatura autônoma como uma propriedade de um circulo da elite cultural do país.

Neruda é lido de mil maneiras, de um jeito aqui, de outro nos Estados Unidos, de outro na Índia ( digo isso pois tenho um amigo que vive lá e o considera um poeta hindu, ele vê muitas semelhanças com a literatura da Índia). E depois tu tem aquele cara do The Police, o Sting, que canta poesias do Pablo Neruda. Aquilo é uma leitura totalmente diferente da que nós temos, a da que as pessoas têm na África ou na Itália ou em qualquer outra parte do mundo. Vou dizer que essas leituras estão erradas? Claro que não. Cada um tem o seu Neruda. Por que não? Neruda é chileno e latino-americano, uma coisa não anula a outra.

CLL - Qual é teu panorama da literatura contemporânea na Argentina e na América Latina?
A.S. - Hmmm, no Brasil eu diria que o melhor escritor contemporâneo é Nuno Ramos. Porque ele é mais que um escritor, é um artista incrível. Não sei se temos um artista do mesmo nível hoje na Argentina, que faça  tantas coisas diferentes.

Há várias vertentes na literatura contemporânea, temos a literatura “bixa”, a dos pobres, a que representa a violência, a violência despolitizada comparada com as violências anteriores. A violência urbana, individual, hedonista, contaminada de imperialismo, que não entende suas prórpias lutas, seus próprios debates. Acredito que alguns dos seus representantes estejam na Argentina: Washington Cucurto ou quiçá Fabian Casas. Depois há outro tipo de literatura mais de vanguarda, com rastros acadêmicos, que seria a de Martin Kohan.

CLL - E na poesia? Quem são os representantes?
A.S - Eu particularmente gosto de todos. Faz pouco tempo Tamara Kamenszain lançou uma coletânea dos seus poemas e adorei. Gosto do último livro da Fernanda Laguna, “Control o no Control”. O mais interessante que está acontecendo na literatura argentina é o fenômeno editorial. No sentido de que qualquer um publica qualquer coisa, já não existe mais aquele lance do escritor aspirar que uma grande editora o encontre e o publique. É um sonho que terminou, aquelas editoras não vão te descubrir, muitas delas nem existem mais. Não existe mais aquele sonho do escritor do começo do século XX.

Dani Umpi, no Uruguay, para mim é um dos prodígios da literatura contemporânea do país. Ele é um múltiplo artista, sua última exposição em Buenos Aires foi incrível, eram obras-plátiscas literárias. Eu admiro essa multiplicidade artística, onde a pessoa está constantemente explorando seus conhecimentos.

Bom, e na Argentina vive o maior escritor dos últimos tempos, que é o Cesar Aira. Ele é de difícil compreenção. É barroco, estranho e ao mesmo tempo genial. O fantástico dele, é que ele não tem interesse em ser reconhecido, ele publica em editoras que normalmente fazem seus livros com baixa tiragem. Aira para mim é o maior que temos na literatura contemporânea hoje, pois ele é aquele quem veio nos dizer "acabou a literatura". Não existe nenhum escritor que teve a coragem de fazer o que ele fez, o universo dele é uma coisa incrível, não sei se ele é compreensível fora da Argentina. Inclusive na Argentina, não sei se ele é compreensível ou não. É um escritor que fala do nada. Tem um nível de ácidez, corrosivo, que é muito argentino, característico nosso. Uma mescla de pedantismo sagaz, que é algo intríseco na nossa cultura.

CLL -  Como é tua relação com Porto Alegre?
A.S. - Faz mais ou menos dez anos que venho a Porto Alegre todos os anos. Trabalhei para o governo da cidade de Buenos  Aires e ali conheci o secretário da Cultura de Porto Alegre, Sergius Gonzaga. Trabalhei um tempo no projeto  “Buenos Aires em Porto Alegre / Porto Alegre em Buenos Aires”, eu vinha e trazia todos os escritores argentinos que ao meu ver eram valiosos para o diálogo com a cidade. Eu conheci muitos escritores aqui em Porto Alegre, o que para mim foi uma loucura.

Li meus poemas no bar Ocidente com outros escritores, foi uma experiência fantástica. Venho todo o tempo, é ótimo. É uma cidade alternativa na minha vida, se me acontesse qualquer coisa, pego o primeiro avião, venho pra cá e me instalo. Tenho muitos amigos aqui, e é isso que importa, muito mais que a cidade em si. Eu não fico fascinado em caminhar pelas ruas de Paris... Isso não me diverte. Me diverte muito mais ir onde estão meus amigos e inimigoso. Me aconteceu aqui e me aconteceu no México.

Eu gosto de ir a lugares com quem eu tenha gente pra brigar. Acredito que seja algo bem argentino, quero ter amigos, mas também quero ter inimigos, pra poder me divertir.

Sobre a homenagem do Prêmio Joaquim Felizardo:
É uma honra. Fico muito feliz em recebê-lo, quero continuar estreitando laços com a cidade.

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