Oficina de Mangá, com Marcos Pinto

Professor da área das Artes Gráficas, produtor/designer gráfico e ilustrador, Marcos Pinto irá ministrar a Oficina de Mangá durante o 7º Festival de Inverno de Porto Alegre. Fãs do estilo de arte japonês terão a oportunidade de trabalhar a estilização e os básicos para quem quer produzir Mangá, sejam histórias com personagens originais ou com consagrados protagonistas da animação e dos quadrinhos nipônicos (fanart).

Fizemos algumas perguntas sobre Mangá para o oficineiro:

CLL -  Por que o estilo dos quadrinhos nipônicos faz tanto sucesso mundialmente? E no Brasil?

Marcos Pinto - Esse é um tópico que poderia ser apresentado muito, muito detalhadamente, mas eu vou ao que eu acho o ponto principal:

Enquanto que, no Japão, há Mangás para todos os públicos, muitos de nós nos acostumamos por muito tempo ainda a pensar que História em Quadrinhos só poderia ser apreciada por crianças e adolescentes - em especial, o que presumia que o público "deveria" apreciar - isso acabou determinando o tipo de material que deveria ser produzido dentro desses limites, o que acabou afinal por limitar o grande público; não se esperaria que Cartoon, por exemplo, pudesse tratar de outra temática que não fosse o humor, por exemplo.

Ao contrário disso, no Mangá se encontram esses e muitos outros temas, mesmo que o traço fosse tão estilizado como o do Cartoon.

O que acontece é que, de uma maneira, muitas pessoas conseguem sentir afins com os personagens nesse tipo de estilo, em especial quando os temas abordados pelo mesmo podem ser percebidos pelo leitor de uma forma empática, identificando-se nos personagens e em suas histórias.

Veja o cosplay, por exemplo: onde o leitor/fã/artista se incorpora do personagem preferido - é tão artístico e demanda tanto trabalho quanto como se produzir fanart, fanfic ou quadrinhos tendo como ponto de partida uma série de Mangá e/ou Anime preferida, onde se confecciona uma fantasia desse tipo, e ter de interpretar o personagem como papel de teatro; em todo o caso essa identificação entre leitor e personagem está lá.

CLL -  Há um novo mercado para o mangá produzido a nível nacional?


Marcos Pinto - Há muito interesse do público, é claro. Há muitos artistas, e gente MUITO boa nesse estilo por aqui.
 
Mas há - infelizmente - que se lembrar que muitos editores preferem pura e simplesmente investir naquilo que acreditam ser "sucesso garantido" a investir em material original produzido no Brasil. Quando se sabe que, para se produzir cada página de quadrinhos (seja Mangá, Cartoon ou o que seja) um artista tem que dedicar quase um dia inteiro de trabalho afim de produzir algo de qualidade, não se pode pagar ao artista aquilo que se paga - isso quando se paga, naturalmente - no Brasil; muitos editores simplesmente republicam algo que, uma vez pronto no Exterior que, enquanto pode lhes dar lucro, certamente não vai lhes dar o ônus de ter de pagar àquele artista brasileiro o que se lhe deveria pagar por seu trabalho.

Mangá é um fenômeno comercial: quando se pensa sucesso em Mangá, há que se pensar em outras coisas relacionadas,tais como jogos, produtos, jogos, ou animação; isso é o que movimenta essa "indústria" do Mangá, muito mais do que histórias em quadrinhos em si - mas, se esse material todo já chega aqui pronto, muita gente não vai sequer pensar em refazer todo esse processo: vão simplesmente pegar o material pronto e ganhar com isso.

O grande problema é como implementar esse processo de se produzir Mangá ou Cartoon, com Jogos e outros produtos a partir daquilo que os nossos artistas criam e fazem - caso contrário, nós sempre vamos estar um passo atrás.



CLL -  Existe, atualmente, uma espécie de apropriação do estilo de arte do mangá nas HQs ocidentais?

Marcos Pinto - Apesar de muita gente pensar o contrário, Mangá/Anime e Cartoon têm muita coisa em comum.

De fato, o que aconteceu no Mangá após 1948 foi que alguns de seus artistas foram influenciados pelo estilo "ocidental" de se fazer História em Quadrinhos e Animação; contudo, tal como o estilo Cartoon se desenvolveu principalmente nos Estados Unidos, sob determinadas influências (Disney, Warner e outros), o Mangá se desenvolveu no Japão sob a influência do trabalho desses mesmos artistas (mangaka) que, a princípio, se deixaram de certa maneira se influenciar pelo que era feito em outros países - como o Mangá atendia a um público ávido de publicações no gênero dentro do próprio Japão, tal estilo começou a desenvolver características próprias; de certo modo, tal estilo era restrito ao Japão,onde a barreira da Língua desencorajava a sua maior divulgação no ocidente... apesar do estilo ser muito bem aceito, quando se havia, de alguma maneira acesso ao mesmo.

Já não há tanto dessa restrição atualmente, logo fica muito mais fácil para qualquer leitor ter acesso a material nesse estilo; logo, é natural que muitas pessoas acabem desenvolvendo os seus próprios estilos de desenho influenciadas pelo mangá, assim como artistas japoneses uma vez foram influenciados pelos estilos em voga no ocidente - mas isso continua ainda hoje, com a facilidade de ambas as Culturas terem acesso aos elementos quer de uma ou outra... é comum se encontrar no Mangá elementos da cultura ocidental (o que para eles é algo exótico, tanto quanto o que lhes é próprio também soa exótico para nós), assim como nos Quadrinhos e Cartoon se cria espaço para esse intercâmbio.


De ambos os lados - e para benefício de ambos.


CLL - Que livros e/ou práticas você sugere para os interessados em atuar como desenhistas de mangá?

Marcos Pinto - Vamos ver duas atitudes (e suas práticas) fundamentais:

Primeiro: Apesar de ser "estilizado", isso não quer dizer que é "fácil" - muito pelo contrário : porque o artista tem que ter uma base de desenho formal: aprender anatomia, perspectiva, proporções, luz e sombra afim de realmente saber como aplicar esse conhecimento.

Tal conhecimento é universal; daí, então, o artista pode ter mais segurança no desenvolvimento de seu próprio estilo de desenho, seja esse mais ou menos estilizado, porque não há estilos "menores" ou "maiores" por serem estilizados ou não - todos eles exigem essa perícia formal.

Eu sempre recomendo aos meus alunos na medida em que eles aprendem esses elementos e têm desenvolvido os seus próprios estilos a observar da realidade: como tal modelo age, que postura, expressão, etc - daí, então, uma vez que tenham essa base, fica mais fácil para eles "traduzirem" aquela idéia que tiveram para o papel, e no estilo que quiserem, por mais "realista" ou "estilizado" que seja.


Segundo:  Não se limitar a pensar em um só tópico de interesse,por mais que se goste - qualquer bom artista de quadrinhos está sempre procurando coisas de onde tirar ideias, de onde se aprender sempre. "Por que?", "Como?", "Onde?", "Quando?" são perguntas fundamentais que se devem fazer a si mesmos quanto àquilo que estão criando - todo artista tem que ser um grande curioso, e gostar de sê-lo, e procurar aprender mais e sempre - nunca se sabe tudo, os materias e tecnologias evoluem o tempo todo e tampouco há fórmula pronta para se fazer Mangá, Cartoon, ou o que seja no Gênero.

Tudo o que há são técnicas formais que se aprendem, mas que têm de ser constantemente renovadas, pois a partir disso podem ser aplicadas a qualquer estilo.
É claro, isso de aprender e produzir sempre exige dedicação, garra mesmo. Praticando, desenhando sempre que possa, sempre tentando capturar emoção e movimento - quanto a modelos, os há o tempo todo: estão na vida real.

As técnicas a se aprender são absolutamente necessárias, e há bons livros sobre isso... mas é ainda mais necessária uma disciplina, uma dedicação que somente aqueles que realmente gostam do que fazem se dispõem a manter : o que não é em absoluto um fardo porque, se alguém realmente gosta do que faz, isso é natural, assim como é natural querer se aperfeiçoar, afim de poder fazer ainda melhor aquilo de que se gosta.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas