Letra de médico


Não é -- ou, pelo menos, não deveria ser -- segredo o fato de a literatura não ser um meio de vida lá muito lucrativo. Mas os escritores se viram como podem. Alguns ingressam na vida pública, outros trabalham com qualquer coisa que envolva o ato de escrever (tradução, jornalismo etc.) e ainda há os que se metem numa série de subempregos, sem o mínimo traço de critério e bom senso. Existe, porém, uma constante nessa relação entre ganhar o pão de cada dia e a escrita: a medicina. E, hoje, no dia em que se comemora o Dia do Médico,  confira alguns dos principais autores que se dedicaram à profissão:

No Brasil, um dos primeiros foi Joaquim Manuel de Macedo. Por muito tempo, Macedo deu consultas no interior fluminense. No ano de sua formatura na prestigiosa Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, publicou o romance A moreninha, que se tornou um clássico instantâneo e lhe quitou qualquer tipo de dificuldade financeira.

O exato oposto de Manuel Antônio de Almeida. Foi justamente esse tipo de dificuldade que levou o autor de Memórias de um sargento de milícias a, mesmo tendo concluído o curso de medicina, não ter exercido a profissão. Ele preferiu o emprego de redator no Correio Mercantil, onde, de 1852 a 1853, publicou em forma de folhetim seu mais famoso romance.


O período durante o qual clinicou no interior mineiro foi determinante na obra de Guimarães Rosa. Aos 16 anos (!) ele já estava matriculado na Faculdade de Medicina de Minas Gerais. Em 1930, Rosa trabalhava no município de Itaguara, sertão profundo, onde travou conhecimento com os elementos que mais tarde dariam à luz Grande sertão: veredas.

Cyro Martins era um pouco mais velho do que Rosa ao entrar na antiga Faculdade de Medicina de Porto Alegre (tinha 19 anos), mas por muito tempo realizou a "prática da medicina", como ele mesmo gostava de chamar, em sua terra natal, Quaraí. Algum tempo depois, Martins enveredou pelos ramos da neurologia e psiquiatria. Hoje, seu nome batiza um centro de estudos de literatura e psicanálise, criado por sua filha, Maria Helena.

Moacyr Scliar sempre manteve lado a lado as duas profissões. Sua carreira como médico teve início em 1963 e com ela sempre esteve envolvido: trabalhou na saúde pública, foi professor universitário, fez especialização em Israel. Uma curiosidade: Histórias de um médico em formação, o primeiro livro de Scliar, publicado em 1962, é precisamente um relato de suas experiências como residente no Hospital de Clínicas da UFRGS.

Primeiro poeta a receber o Prêmio Açorianos de Livro do Ano, em 2010, Marco de Menezes vive em Caxias do Sul e lá atua como plantonista e médico-auditor em hospitais da cidade. Segundo afirmou em entrevista a Zero Hora, ele tem bem claro em sua mente a divisão entre as duas coisas. "A poesia é anterior à medicina na minha vida", disse. Perguntamos a ele como é lidar com as duas atividades hoje:

Costumo dizer que o poeta não dorme - lá onde o médico precisa de repouso. Como minha vida com o mundo da literatura se iniciou antes do exercício da profissão médica, certa crise se instaurou quando passei a dividir espaço entre as duas atividades. Hoje, medicina e literatura convivem em certo equilíbrio instável, uma esperando a outra na esquina pra dar um susto.

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