Cartas de escritores

O Letters of Note é um blog dedicado a reunir todo e qualquer tipo de correspondência digna de nota, como o nome já deixa claro. Ou seja, entram cartas, cartões-postais, telegramas, faxes e memorandos.

O mais legal é que dá para ler o conteúdo do site como uma espécie de história privada da humanidade. Vários episódios são relatados: a bomba de Hiroshima, o assassinato de JFK, etc.

E a literatura, é claro, não fica de fora. O PWxyz vasculhou os arquivos do blog e encontrou estas quatro missivas de grandes escritores:



Kerouac escreveu esta carta enquanto editava os fragmentos de William Burroughs, que posteriormente se tornariam O Almoço Nu:
Querido Lucien & Cessa -- Escrevendo para vocês a luz de vela desde a misteriosa Casbah -- tenho um quarto magnífico com vista para a praia & para a baía &apara o mar & posso ver Gibraltar [...] -- me sinto ótimo e Burroughs enlouqueceu -- não para de dizer que vai perpetrar alguma atrocidade inominável, tal como balançar o pinto numa festa da Embaixada & coisas assim ou assassinar um garoto árabe para ver como é seu lindo interior -- Naturalmente me sinto solitário com esse velho lunático, mas mais do que nunca com ele, porque ele também murmura, ou resmunga, sempre que está conversando, numa espécie de interminável imitação de lorde inglês, tudo fica escorrendo dele numa horda absolutamente brilhante de palavras &, de fato, seu novo livro é a melhor coisa do tipo no mundo (Genet, Celine, Miller etc.) [...] -- Sua mensagem é toda uma loucura escatológica, homossexual e super-violenta [...] -- Me sento com ele num restaurante francês elegante & ele cospe os ossos como o Mr. Hyde e continua a gritar palavras obscenas, ouvidas pela clientela continental -- (como fez em Roma, gritando PEIDO numa festa, num palazzio) -- Vou ficar feliz quando Allen chegar. -- Enquanto isso, exploro Casbah [...]. -- A situação das meninas aqui é pior que a dos meninos, nada além prostitutos por toda parte, & as rainhas suplementares. -- Encontrei um verdadeiro contrabandista de bigode. Etc. Sinto saudades & espero que vocês estejam bem. Jack.




Kurt Vonnegut para sua família: "Tenho coisas demais a dizer".

Esta é a primeira carta que Vonnegut mandou para sua família, depois de uma temporada como soldado em Dresden, experiência que usou em Matadouro Nº 5, 25 anos depois:

De:

K. Vonnegut, Jr.
12102964 Exército Americano

Para:

Kutr Vonnegut,
Williams Creek,
Indianapolis, Indiana.

Queridas pessoas:

Fui informado de que vocês provavelmente não sabem que não estou "desaparecido". Há chances de que vocês também não receberam qualquer uma das cartas que escrevi da Alemanha. Isso me deixa com muito a explicar -- in précis:

[...]

Tenho coisas demais a dizer, o resto vai ter de esperar, não posso receber cartas aqui, então não escrevam.

29 de maio, 1945.

Amor,

Kurt Jr.


J.R.R. Tolkien para Elise Honeybourne: "[Sua carta é] uma das mais cálidas e reconfortantes que já recebi."

Tolkien escrevia frequentemente para seus fãs, e esta carta aqui mostra seu amor por nomes e origens:
PROFESSOR J. R. R. TOLKIEN

Oxford, 61639

SANDFIELD ROAD, 76
HEADINGTON
OXFORD

18 de setembro.
1967.

Querida Miss Honeybourne,

Agradeço-lhe muito por sua carta generosa, umas das mais cálidas e reconfortantes que já recebi.

[...]

Estou especialmente agradecido por seu prazer pelos nomes: tive muitos problemas com eles.

Seu próprio nome é deleitável, e me traz uma sugestão de realeza. Deve ter se originado (como muitos sobrenomes ingleses) de um vilarejo, mas os únicos que conheço são aquelas vilas adjacentes de Church H (Worcs) e Cow H (Glo). Estas não ficam muito longe de Blackminster, onde meu irmão possui uma pequena fazenda, em terras onde meus ancestrais maternos (Suffield) podem ser situados.

[...]



John Keats para Fanny Brawne: "Se não puder viver contigo, viverei sozinho".

Em 1821, aos 25 anos, John Keats enviou esta carta ao amor de sua vida, pouco antes de partir rumo a climas mais amenos em razão de sua tuberculose. Keats morreu algum tempo depois:

Minha querida menina,

Gostaria que você pudesse inventar algum meio de me deixar feliz sem você. A cada hora me concentro mais em você; tudo o mais tem gosto de joio. Sinto que é quase impossível ir à Itália -- o fato é que não posso te deixar [...]. Mas não continuarei neste ritmo. Uma pessoa saudável como você não pode conceber os horrores que meus nervos e temperamento passam. [...] Os útlimos dois anos me sabem a ferro no palato. Se não puder viver contigo, viverei sozinho. Não acho que minha saúde irá melhorar muito enquanto estiver separado de você. Por isso tudo, me oponho a te ver -- não posso suportar raios de luz e retornar às trevas de novo. [...] Se minha saúde permitisse, poderia escrever um poema que tenho em mente, que seria uma consolação para pessoas em situações como a minha. Mostraria a alguém o amor que sinto por uma pessoa que vive em liberdade, como você. Shakespeare sempre resume a questão da maneira mais soberana. O coração de Hamlet estava repleto de tanta miséria, como o meu, quando diz a Ofélia: "vai para um convento, vai, vai". De fato, gostaria de desistir da questão de uma vez por todas -- gostaria de morrer. Tenho ânsia deste mundo bruto ao qual você sorri. Odeio cada vez mais homens e mulheres. Não vejo nada além de espinhos no futuro -- onde quer que esteja no próximo inverno, na Itália ou em parte alguma, Brown continuará a viver perto de você, com suas indecências -- não vejo perspectiva alguma. Suponha-me em Roma --  bem, veria você lá como num espelho mágico, para cima e para baixo na cidade a todas as horas, -- desejo que você pudesse imbuir em meu coração um pouco de confiança na natureza humana. Isso eu não consigo -- o mundo é brutal demais para mim -- fico feliz que haja algo como o túmulo -- tenho certeza de que jamais descansarei até chegar lá. De qualquer forma, tirarei proveito de jamais ver novamente Dilke ou Brown, ou qualquer um dos amigos deles. Gostaria ou de estar em seus braços, cheio de fé, ou que um trovão me atingisse.

Deus te abençoe,

JK

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