Drama em gente

Frases e versos de Fernando Pessoa são recitados hoje, data de seu aniversário, para homenagear e exaltar a genialidade do escritor. Por trás das belas palavras, no entanto, existe uma figura misteriosa, que buscava respostas além da realidade e expressava-se através de pensamentos e personagens múltiplos. A professora da UFRGS e doutora em Literatura, Jane Tutikian, estudiosa de Fernando Pessoa há 10 anos, esclarece algumas das tantas questões que envolvem o poeta.

CLL - Os heterônimos de Fernando Pessoa representavam uma divisão de sua própria personalidade?

Jane Tutikian - Existem duas grandes correntes: a velha crítica, de João Gaspar Simões, que faz uma análise psicológica e acredita nessa divisão, e a criação, que leva ao extremo o lírico-empírico com a criação de vários personagens. Fernando Pessoa era um irônico que fazia ironia de si mesmo; em janeiro de 1935, escreveu em carta a Adolfo Casais Monteiro: "se eu fosse mulher, cada poema de Alvário de Campos (o mais histericamente histérico de mim) seria um alarme para a vizinhança. Mas sou homem - e nos homens a histeria assume principalmente aspectos mentais; assim tudo acaba em silêncio e poesia". Ele tinha crises de depressão, mas nunca chegou a tratá-las. Eu, como estudiosa de Pessoa, acredito que os heterônimos sejam criações dele.

CLL - Como o interesse pelo ocultismo influenciou a obra de Fernando Pessoa?

Jane - Esse interesse fazia parte de sua busca por respostas, já que tinha dificuldade em lidar com o real. Era um curioso. Pessoa seguiu todos os passos do esoterismo, como a Maçonaria, a Alquimia Medieval, a Rosa Cruz, procurando por respostas. Considerava Aleister Crowley seu mestre. Mas as pessoas levam isso muito a sério. Quando Aleister viajou para conhecer Pessoa, os dois fizeram uma brincadeirinha com a imprensa: simularam o suicídio do mestre. O ocultismo está presente no escritor tanto quanto em sua poesia, como busca por questões da existência. Mas, apesar de buscar, não queria encontrar – ele dizia que isso significaria o fim do poeta.

CLL - Fernando Pessoa não foi reconhecido em vida. Isso teria acontecido se fosse um poeta contemporâneo?

Jane - Pessoa teve um reconhecimento tardio. Seus textos, alguns publicados na revista Orfeu, chocaram a burguesia e causaram grande escândalo. Era um escritor polêmico. Seria valorizado somente pela próxima geração, a Presença. Como poeta contemporâneo teria, sim, sido reconhecido. Muitos poetas portugueses acreditam que quem teria descoberto Fernando Pessoa seriam os estudiosos brasileiros.

Jane recomenda a obra de sua preferência:

Poemas de Álvaro de Campos
L&PM

336 páginas
R$ 16,00



Trecho:

"Quando olho para mim não me percebo.

Tenho tanto a mania de sentir

Que me extravio às vezes ao sair

Das próprias sensações que eu recebo.


O ar que respiro, este licor que bebo,

Pertencem ao meu modo de existir,

E eu nunca sei como hei de concluir

As sensações que a meu pesar concebo.


Nem nunca propriamente reparei

Se na verdade sinto o que sinto.
Eu
Serei tal qual pareço em mim? Serei

Tal qual me julgo verdadeiramente?

Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,

Nem sei bem se sou eu quem em mim sente."

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