Parabéns, Barão de Satolep!

Autor de dois livros, compositor e pai do personagem Barão de Satolep, o pelotense Vitor Ramil é o aniversariante de hoje. Criador do movimento batizado de "Estética do Frio", a obra de Vitor exemplifica esse elo climático e geográfico que nos une culturalmente aos vizinhos Uruguai e Argentina e que faz sentir-nos à parte do Brasil.


"E o tamanho da diferença que ele (o frio) representa vai além do fato de que em nenhum lugar do Brasil sente-se tanto frio como no Sul. Por ser emblema de um clima de estações bem definidas – e de nossas próprias, íntimas estações; por determinar nossa cultura, nossos hábitos, ou movimentar nossa economia; por estar identificado com a nossa paisagem; por ambientar tanto o gaúcho existência-quase-romanesca, como também o rio-grandense e tudo o que não lhe é estranho; por isso tudo é que o frio, independente de não ser exclusivamente nosso, nos distingue das outras regiões do Brasil. O frio, fenômeno natural sempre presente na pauta da mídia nacional e, ao mesmo tempo, metáfora capaz de falar de nós de forma abrangente e definidora, simboliza o Rio Grande do Sul e é simbolizado por ele. Precisamos de uma estética do frio, pensei. Havia uma estética que parecia mesmo unificar os brasileiros, uma estética para a qual nós, do extremo sul, contribuíamos minimamente; havia uma idéia corrente de brasilidade que dizia muito pouco, nunca o fundamental de nós. Sentíamo-nos os mais diferentes em um país feito de diferenças. Mas como éramos? De que forma nos expressávamos mais completa e verdadeiramente? "
(trecho de A Estética do Frio - Conferência de Genebra)


Em seus discos, a relação do autor com a literatura está sempre presente, como no caso das canções “Milonga de Manuel Flores”, em que interpreta uma milonga escrita pelo argentino Jorge Luis Borges, e de “Deixando o Pago”, do poeta gaúcho João da Cunha Vargas. Essa marca da intertextualidade é um dos fatores que mais chama atenção na sua composição. O primeiro Romance, Pequod, publicado em 1995 no Brasil e em 2007 na França, pela editora L’Harmattan, é o claro diálogo da narrativa de Ramil com o texto Moby Dick, de Herman Melville. Outro exemplo que ilustra a relação dos clássicos com as composições de Vitor é o trecho da canção Satolep:

“Vitorino de La Mancha
Minha luta se resume
No compasso de um tango
Na minha triste figura
Meu piano Rocinante
A YOGA e o chá no fim da tarde
E depois a noite e meu temor.”
(Satolep -1984, A paixão de V segundo ele próprio)

Seu mais recente livro, Satolep, foi lançado em 2008, ano em que Vitor Ramil participou como autor convidado da FLIP - Festa Literária Internacional de Paraty, mais importante evento brasileiro sobre literatura.

“Chamam a este fenômeno de délibáb”, expliquei. “Esta locomotiva e este vagão que vocês vêem, tão nítidos, a correr neste horizonte desértico, não estão aqui onde parecem estar, mas a pelo menos uns cem quilômetros de distância. Acontece em dias de muito calor. Essa imagem atravessou regiões de atmosferas de densidades diferentes e projetou-se assim, clara, plana e não invertida, diante dos meus olhos. Nenhum som a acompanhava. Só depois de muito procurar é que me convenci de que realmente não havia trilhos no lugar.” Ao rever aquela fotografia, há tanto tempo guardada, e observar a reação de deslumbramento dos meus amigos, pensei que o “grande círculo” seria a documentação de um tipo de espelhismo, pois suas fotos eram o registro do que já fora visto por outro em outra parte, conforme os textos demonstravam. Era também algo deslumbrante. (Satolep – Vitor Ramil, Ed. Cosac Naify, 2008.)

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